O rei D. João II de Castela ordenou que o frei Lope de Barrientos, preceptor de seu filho D. Henrique IV , compusesse um tratado sobre o que devia ser conceituado como magia. A compilação foi intitulada
Tractado de la divinança e foi escrita entre 1445 e 1454, momento em que o escritor já era bispo de Cuenca. A proposta da obra, segundo Barrientos, era dissertar sobre todas as espécies do adivinhar, ou seja, todas as artes mágicas ou supersticiosas. A obra foi dividida em três tratados que visavam contemplar sobretudo as formas de adivinhação, dado que, por estas e pela profecia, advertia o bispo, os homens fingiam e presumiam saber as coisas advenientes. Para cumprir tal desafio, o
Tratado de Caso y Fortuna estava na abertura, a seguir vinha o
Tratado del dormir y despertare del soñar, e de las adevinanças e agüeros e profeçía e a etapa final para o entendimento dessa pretensão de ver adiante constituía-se do homônimo
Tratado de la divinança. A vontade de saber o que havia de vir era o elo entre os escritos, pois era o que impulsionava as artes divinatórias e supersticiosas bastante debatidas no período, principalmente nas universidades e nas igrejas, nas quais estimulava-se um regramento do que era lícito e ilícito, ciência ou incitação demoníaca.
A familiaridade de Barrientos com as artes supersticiosas pode ser decorrente da auditoria que fez, também a pedido do rei D. João II, nas obras do teólogo e poeta Enrique de Vilhena. Este episódio bastante conhecido, foi retomado em diversos estudos, principalmente dada a hipótese de que Barrientos não só queimou algumas obras de Villena, mas guardou outras que lhe serviram como fonte de informação. A abordagem da matéria supersticiosa que apresentou o bispo castelhano parece refletir o temor que gerava entre os homens de Igreja a difundida crença no poder dos astros, fomento para a propagação das predições astrais nos distintos estratos da sociedade e favorecimento da presença efetiva de astrólogos nas proximidades do poder, sobretudo como conselheiros ou físicos. Por isso, ao tratar do estudo do céu, Barrientos deixa evidente sua preocupação em evitar que o entendimento dos reis fosse perturbado por aqueles que pretendiam, por meio das estrelas, usurpar o conhecimento do porvir. Especialmente o preocupava a astrologia genetialógica, aquela que determinava o futuro a partir da data do nascimento, tanto que, no
Tratado de la divinança, ele lança advertências a esse propósito, as quais são mais de uma vez reafirmadas, como, por exemplo, no trecho do
Tratado del Dormir, no qual previne que mesmo não negando que pelo conhecimento das datas dos nascimentos se pode “saber e conhecer algumas causas remotas”, isso não basta, nem pode bastar, para que “alguém possa fazer julgamentos determinados das coisas que procedem da vontade dos homens”.
Além da astrologia, outras práticas como, por exemplo, a interpretação dos sonhos, a leitura das mãos, o significado dado à aparição de animais, ao voo e aos sons dos pássaros, e muitos outros eventos sobressalentes do cotidiano, eram tidos como presságios –, mas a primeira era a única reconhecida como um saber pelos eruditos, por isso recebeu atenção de Barrientos em todos os seus tratados. A fronteira entre o que era considerado lícito e o que era ilícito em relação ao saber das estrelas é ainda melhor desdobrada pelo bispo quando sintetiza que “a observação de fenômenos celestes ou atmosféricos é lícita; mas utilizar a informação que nos oferecem os astros para mediar a vontade humana e o livre arbítrio é ilícito”. Lope de Barrientos, à semelhança do que foi feito pelos veneráveis doutores da Igreja, participa do debate sobre a validade ou não de várias práticas e artes que vieram à tona com a intensificação dos textos e práticas supersticiosas no final do século XIII e, sobretudo, nos séculos XIV e XV, quando se fortalecem igualmente seus opositores.