Breve e muito proveitoso tratado contra o murmurar e falar mal do outro em sua ausência
- Susana Guijarro González - Universidad de Cantabria
Hernando de Talavera (1428-1507)
Talavera sofreu na própria pele as consequências das difamações que nas últimas décadas do século XV fizeram recrescer o antijudaísmo. Não é de surpreender que, ao longo de sua vida, ele tenha se movido em mundos onde a murmuração e a maledicência eram moeda corrente, da universidade ao convento, passando pela corte real e pelos círculos da alta hierarquia eclesiástica. Atribui ao pecado da inveja o que desde o início do tratado qualifica como vício universal, a murmuração, dificilmente restituível, pois, como pode a fama de uma pessoa ser restituída diante de seus semelhantes? Pergunta-se o autor. Plenamente consciente da transcendência da fama na sociedade medieval, um capital simbólico do qual os indivíduos desfrutavam por seu comportamento, mas que, em última instância, derivava da opinião dos demais¹, ele não hesita em qualificar o ator da murmuração como praticante de pecado mortal. A conversa pública criava a fama das pessoas, um conceito que os canonistas medievais aceitavam como evidência nas práticas judiciais². Apenas a ausência de má intenção, desde que demonstrada, poderia tornar este pecado venial.
O pecado da murmuração e da maledicência não só prejudica o perpetrador e a vítima, mas também corrompe quem o ouve, e transmite, por sua vez, a outras pessoas. Língua e ouvidos, lembra Talavera, tornam-se instrumentos que o diabo usa. A Bíblia é uma fonte constante de imagens para visualizar esses argumentos. Satanás é a serpente que simboliza a primeira murmuração ao dizer a Eva que Deus os proibiu de comer o fruto da árvore para que não pudessem alcançar a sabedoria do criador.³
Sempre atento, em seus tratados, à definição dos conceitos, Talavera distingue três formas de murmurar: ocultando o bem do outro quando seria benéfico para a sua própria fama, subestimando ou deturpando tal bem quando é comentado por outra pessoa e revelando os defeitos do próximo na presença de quem não os conhecia. O autor está extremamente preocupado com a audiência dos murmúrios e em como evitar que o malfeito pela difamação se estenda. Por isso, delimita cuidadosamente quando a atitude do receptor de uma murmuração se torna inaceitável: deixar o murmurador falar livremente, sem interrompê-lo, por medo ou vergonha; mostrar agrado com palavras ou gestos ante as palavras do murmurador, abençoando assim sua má fala e atrevimento; pecando ao ouvir o murmurador e correspondendo aos seus dizeres murmurando o mesmo, quer diretamente, quer fazendo-lhe perguntas indiscretas e incitadoras. Este modo de induzir é especialmente perigoso e convém não perguntar aos invejosos sobre o que é mau ou bom. Como regra geral, aconselha evitar ser muito curioso fazendo perguntas sobre o que não é necessário saber.⁴
Contudo, se surgirem circunstâncias em que é impossível não ouvir o murmurador, o ouvinte pode tentar tomar algumas precauções, que são descritas em detalhes, para amenizar o pecado a que é arrastado: repreender o murmurador; afastar-se do lugar onde estão murmurando; expressar gestos de desaprovação para que quem murmura desista de sua empreitada (alguns muito curiosos são detalhados, como coçar a cabeça ou a barba, cortar as unhas, rasgar o manto, suspirar ou olhar para o outro lado, etc.); não acreditar sem reflexão crítica na veracidade do que está sendo dito; relembrar o que foi dito sobre nós sem que tivesse veracidade; se acreditarmos que o que o murmurador difunde é verdade, examinemos nossos pecados e nos arrependamos para que a língua do murmurador faça menos dano à nossa alma; por fim, convém ter compadecimento daqueles sobre cujos supostos males se murmura e orar para que eles sejam perdoados, de modo que saber de seus defeitos seja menos repreensível para nós.
Embora o arrependimento seja a forma desejável para restaurar a fama do caluniado, tanto para o murmurador quanto para aquele que dá credibilidade à sua fofoca, tal avidez pode ferir a dignidade do caluniador e colocar em risco sua segurança, causando maiores danos. Assim, inspirando-se na Bíblia, Talavera propõe reparações indiretas, como difundir a retificação da mentira sem descobrir o caluniador; e caso forem verdadeiras, a indiscrição deve ser compensada com a divulgação de palavras que servem para restaurar a fama. Porém, se a pessoa difamada sabe quem foi o autor da murmuração, ela só pode pedir perdão e oferecer-lhe uma reparação. Caso não conheça o difamador, é aconselhável pedir perdão por meio de um intermediário, de preferência uma pessoa de boa fé. O zelo de Talavera em evitar a propagação de boatos e de sua autoria é tal que ele contempla todos os cenários possíveis para que o maior patrimônio social e moral dos homens e mulheres medievais, a fama, seja restaurado. Ao mesmo tempo, a orientação eminentemente pedagógica e pastoral do Arcebispo de Granada com dito zelo não cessa de contrastar com o direito canónico, numa sociedade em que o crime de injúria era frequente e altamente perseguido. Os canonistas medievais insistiam que o crime ou a falta cometida por uma pessoa deveria ser conhecida por toda a comunidade para que o acusado fosse irrogado por infâmia. A declaração de infame separava o acusado da comunidade e evitava o que se considerava o maior dos males, o escândalo.
Hernando de Talavera (1428-1507)
Talavera sufrió en sus propias carnes las consecuencias de las difamaciones que en los últimos decenios del siglo XV habían hecho recrecer el antijudaismo. No en vano, a lo largo de su vida se había movido en mundos donde la murmuración y la maledicencia era moneda corriente, desde la universidad al convento pasando por la corte real y los círculos de la alta jerarquía eclesiástica. Atribuye al pecado de la envidia lo que desde el principio del tratado califica como un vicio universal, la murmuración, difícilmente restituible pues ¿cómo se puede restituir la fama de una persona ante sus congéneres? se pregunta el autor. Plenamente consciente de la trascendencia de la fama en la sociedad medieval, un capital simbólico del que los individuos disfrutaban por su comportamiento pero que, en última instancia, derivaba de la opinión de los demás⁵, no duda, en calificar el actor del murmurar de pecado mortal. La conversación pública creaba la fama de las personas, un concepto que los canonistas medievales aceptaron como prueba en las prácticas judiciales⁶. Solo la ausencia de mala intención, siempre que se demostrara, podría convertir este pecado en venial.
El pecado de murmuración y la maledicencia no solo daña al causante y a la víctima, sino que también corrompe a los que lo oyen y lo transmiten a su vez a otros. Lengua y oídos, recuerda Talavera, se convierten en instrumentos de los que se sirve el diablo. La Biblia es una fuente constante de imágenes para visualizar estos argumentos. Satanás está la serpiente que simboliza la primera murmuración cuando le dice a Eva que Dios les ha prohibido comer del fruto del árbol para que no pudiesen alcanzar la sabiduría del creador.⁷
Atento siempre en sus tratados a la definición de los conceptos, Talavera, distingue tres formas de murmurar: ocultando el bien de otro cuando sería beneficioso para su fama, minusvalorando o tergiversando dicho bien cuando es comentado por otra persona y descubriendo las faltas de nuestro prójimo en presencia de aquellos que las desconocían. Preocupa sobremanera al autor la audiencia del murmurado y cómo se pude evitar que el mal hecho por difamación se extienda. Por eso, delimita con minuciosidad cuando la actitud del receptor de una murmuración se convierte en inaceptable: dejar hablar libremente al murmurador sin interrumpirle, ya sea por miedo o por vergüenza; mostrar agrado con palabras o gestos ante las palabras del murmurador, bendiciendo así su mal decir y atrevimiento; peca el que oye al murmurador y corresponde a sus dichos murmurando él mismo, ya sea de modo directo o haciéndole preguntas indiscretas e incitatorias. Este modo de inducir es especialmente peligroso y conviene no preguntar de las cosas malas ni de las buenas a personas envidiosas. Como norma general, aconseja evitar ser demasiado curioso haciendo preguntas sobre lo que no nos es necesario saber.⁸
Ahora bien, si se producen circunstancias en las cuales es imposible no escuchar al murmurador, el que oye puede tratar de tomar algunas precauciones que describe detalladamente para aminorar el pecado al que es arrastrado: reprender al murmurador; apartarse del lugar donde están murmurado; expresar gestos de desaprobación para que el murmurador desista en su empeño (se detallan algunos muy curiosos, tales como rascarse la cabeza o la barba, cortarse las uñas, rasgar el manto, suspirar o mirar para otro lado, etc.); no creer sin reflexión crítica alguna en la veracidad de lo que se está diciendo; rememorar lo que se haya dicho de nosotros sin ser cierto; si creemos que lo que difunde el murmurador es cierto hagamos examen de nuestros pecados y arrepintámonos para que la lengua del murmurador haga menos daño a nuestra alma; finalmente, conviene compadecer a aquellos sobre cuyos supuestos males se murmura y rogar por ellos para que sean perdonados, de modo que saber de sus defectos sea menos reprobable para nosotros.
Aunque el arrepentimiento es la vía deseable para restituir la fama del calumniado, tanto para el murmurador como para el que otorga credibilidad a sus habladurías, tal afán puede herir la dignidad del difamador y poner en peligro su seguridad, causando males mayores. De ahí que, inspirándose en la Biblia, Talavera proponga reparaciones indirectas, tales como difundir la rectificación a una mentira sin descubrir al calumniador; si resultasen ser verdades, se debe compensar la indiscreción difundiendo palabras que sirvan para restituir la fama. No obstante, si el difamado sabe quien fue el autor de la murmuración solo cabe pedirle perdón y ofrecerle reparación. Si no conociera al difamador es aconsejable que el perdón se pida a través de un intermediario, preferiblemente persona de buena fe. El celo de Talavera por evitar la difusión de murmuraciones y su autoría es tal que contempla todos los escenarios posibles para que sea restituido el mayor patrimonio social y moral de los hombre y mujeres medievales, la fama. Al mismo tiempo, la orientación eminentemente pedagógica y pastoral del Arzobispo de Granada con dicho celo no deja de contrastar con el derecho canónico en una sociedad donde el delito de injuria fue frecuente y muy perseguido⁹. Los canonistas medievales insistieron en que el delito o la falta cometidos por una persona debía ser conocido por toda la comunidad para que el acusado fuese irrogado de infamia.¹⁰ La declaración de infame apartaba al encausado de la comunidad y evitaba lo que se consideraba el mal mayor, el escándalo.
¹ MADERO, Marta. Manos violentas, palabras vedadas. La injuria en Castilla y León (siglos XIII-XV). Madrid, Taurus, 1992, pp. 21-25.
PÉREZ MARTÍN, Antonio. La protección del honor y la fama en el derecho histórico español. Anales de Derecho, nº 11 ,1991, pp. 117-125.
³ LADERO QUESADA, Miguel Ángel. “Susurratio. El tratado sobre el murmurar de Fray Hernando de Talavera sobre murmuración y maledicencia.” In: MUTGÉ I VIVES, Josefina, SALICRÚ I LLUCH, Roser, VELA AULESA, Carles (eds.). La Corona catalano-aragonesa, l´Islam i el món Mediterrani. Estudis d´història medieval en homenatge a la doctora María Teresa Ferrer I Mallol. Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Barcelona, 2013, pp. 421-422.
⁴ LADERO QUESADA, op. cit., pp. 423-424.
⁵MADERO, Marta. Manos violentas, palabras vedadas. La injuria en Castilla y León (siglos XIII-XV). Madrid, Taurus, 1992, pp. 21-25.
⁶ PÉREZ MARTÍN, Antonio. La protección del honor y la fama en el derecho histórico español. Anales de Derecho, nº 11 ,1991, pp. 117-125.
⁷LADERO QUESADA, Miguel Ángel. “Susurratio. El tratado sobre el murmurar de Fray Hernando de Talavera sobre murmuración y maledicencia.” In: MUTGÉ I VIVES, Josefina, SALICRÚ I LLUCH, Roser, VELA AULESA, Carles (eds.). La Corona catalano-aragonesa, l´Islam i el món Mediterrani. Estudis d´història medieval en homenatge a la doctora María Teresa Ferrer I Mallol. Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Barcelona, 2013, pp. 421-422.
⁸ LADERO QUESADA, op. cit., pp. 423-424.
⁹ GUIJARRO GONZÁLEZ, Susana. Justicia eclesiástica y control social en la Castilla bajomedieval: el castigo de las faltas y delitos del clero burgalés. Anuario de Estudios Medievales. v. 46, nº12, 2016, pp. 792-794.
¹⁰ MANSFERRER DOMINGO, Aniceto. La pena de infamia en Cataluña y Castilla. Dykinson, Madrid, 2001, pp. 96-101.
GUIJARRO GONZÁLEZ, Susana. Justicia eclesiástica y control social en la Castilla bajomedieval: el castigo de las faltas y delitos del clero burgalés. Anuario de Estudios Medievales. v. 46, nº12, 2016, pp. 787-818.
LADERO QUESADA, Miguel Ángel. “Susurratio. El tratado sobre el murmurar de Fray Hernando de Talavera sobre murmuración y maledicencia.” In: MUTGÉ I VIVES, Josefina, SALICRÚ I LLUCH, Roser, VELA AULESA, Carles (eds.). La Corona catalano-aragonesa, l´Islam i el món Mediterrani. Estudis d´història medieval en homenatge a la doctora María Teresa Ferrer I Mallol. Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Barcelona, 2013, pp. 417-425.
MADERO, Marta. Manos violentas, palabras vedadas. La injuria en Castilla y León (siglos XIII-XV). Madrid, Taurus, 1992.
MANSFERRER DOMINGO, Aniceto. La pena de infamia en Cataluña y Castilla. Dykinson, Madrid, 2001.
MIR, Miguel, Escritores místicos españoles. Nueva Biblioteca de Autores españolea, 16, Madrid, 1911, pp. 1-103 (Tratados de Hernando de Talavera). Breve y muy provechoso tractado contra el murmurar y decir mal de otro en su absencia que es muy gran pecado e muy ysado, pp. 47-56.
PÉREZ MARTÍN, Antonio. La protección del honor y la fama en el derecho histórico español. Anales de Derecho, nº 11 ,1991, pp. 117-156.
Sobre murmurar ou maldizer. Tratado muito proveitoso contra o comum e muito contínuo pecado que é detrair ou murmurar e falar mal de alguém em sua ausência, composto pelo licenciado Fernando de Talavera, primeiro arcebispo de Granada. Contém sete capítulos.
Primeiro capítulo: Mostra que o murmurar e o falar mal dos outros é grande pecado, e na Santa Escritura por muitos modos e comparações isso é contestado.
Segundo capítulo: Mostra quando este pecado é mortal e quando é venial.
Terceiro capítulo: Mostra que em muitas maneiras erram em falar mal dos outros.
Quarto capítulo: Mostra que este maldito vício de maldizer nasce principalmente da inveja.
Quinto capítulo: Mostra que uma entre sete coisas deve fazer aquele que ouve a murmuração, para que não peque ou para que não peque tanto.
Autor do documento: Hernando de Talavera
Título do documento: Breve e muy provechoso tractado contra el murmurar e decir mal de otro en su absencia
Data de Composição: 1492-1507
Lugar de composição ou impressão: Granada
Imagem: Real Academia de la Historia - Sobre murmurar o mal decir p. 212 BRAH [1514]